Será que a Cultura do Wellness Está Nos Fazendo Mal?

Nos últimos anos, fomos bombardeados com informações sobre saúde, fitness e bem-estar. A promessa é tentadora: se seguirmos as regras, seremos pessoas mais saudáveis, felizes e equilibradas. Mas será que é tão simples assim? Será que essa obsessão pelo “bem-estar ideal” está realmente nos fazendo bem? Ou estamos criando novos problemas ao tentar eliminar todos os nossos hábitos não tão saudáveis?

A Vergonha do Bem-Estar: Wellness Shame

A cultura do bem-estar, “wellness” em inglês, parece, muitas vezes, ignorar a complexidade da vida real. Quem nunca sentiu aquela pontada de culpa por comer um hamburgão às 23 horas da noite, por não dormir as famosas oito horas por noite ou por não ir à bendita academia todos os dias? Esse sentimento de culpa é tão comum que tem até um nome: wellness shame.

O conceito parte da ideia de que, se não estamos nos cuidando conforme o padrão considerado ideal, é porque estamos falhando. A cultura de bem-estar sugere que se não estamos alcançando um estilo de vida ultrasaudável, estamos falhando miseravelmente como seres humanos – afinal, basta ter força de vontade. Só que tem um grande problema aí: essa narrativa nem sempre leva em conta as dificuldades e as nuances da vida real.

Por trás de fotos de smoothies verdes e poses de ioga no Instagram, pode haver muita hipocrisia velada. A aparencia perfeita do mundo instagramável pode esconder hábitos que a própria cultura do bem-estar consideraria problemáticos que vão desde o consumo de drogas para emagrecimento, e/ou aumento da massa muscular, distúrbios alimentares, dietas estremamente restritivas que podem afetar o organismo, até passar horas no TikTok, ou não abrir mão de um doce no fim do dia.

Somos mais do que a soma de nossas escolhas saudáveis e, talvez, não deveríamos sentir vergonha disso.

O Preço da Perfeição

Seguir uma rotina perfeita, ao contrário do que se imagina, pode sair caro. E não estamos falando aqui apenas de dinheiro, mas de saúde mental. Estudos recentes mostram que essa pressão para atingir padrões rígidos de saúde está gerando um aumento de comportamentos compulsivos, distúrbios alimentares e até mesmo doenças mentais. Uma pesquisa da WGSN revela que 58% das mulheres e 48% dos homens brasileiros da geração Z estão gravemente deprimidos.

Diante disso, é impossível não se perguntar: estamos realmente nos cuidando ou apenas tentando cumprir um ideal inalcançável?

A Cultura do Wellness: Quem Realmente Se Beneficia?

Talvez a pergunta mais importante a ser feita sobre a cultura do wellness seja: será que ela realmente se preocupa com o nosso bem-estar, ou apenas encontrou um novo nicho lucrativo? É inegável que o “bem-estar” se tornou uma indústria multibilionária, oferecendo desde suplementos, roupas fitness, aplicativos de meditação até gadgets que prometem monitorar nosso sono e produtividade.

Mas a quem essa cultura realmente serve? Quem está ganhando dinheiro com isso? Muitas vezes, a resposta parece ser: empresas que perceberam que, para vender, precisam nos convencer de que não somos bons o suficiente.

Se não temos o corpo considerado ideal, o percentual de gordura certo, se não seguimos a dieta da moda, não temos o último smartwatch que monitora batimentos cardíacos ou não praticamos o ritual de autocuidado perfeito, então estamos falhando. A sensação de insuficiência é alimentada constantemente por influenciadores e publicidades que mostram um estilo de vida impecável e inatingível. E o resultado é um ciclo de compra constante: precisamos de mais produtos, mais serviços, mais suplementos e mais ferramentas para tentar alcançar o ideal.

O Capitalismo do Bem-Estar: Vendendo Soluções para Problemas Que Talvez Não Existam

O fato é que a cultura do wellness transformou o autocuidado em mais uma mercadoria. A narrativa por trás desse movimento é que podemos comprar saúde e felicidade. Mas será que precisamos realmente de tantos produtos e rituais para sermos saudáveis? Ou estamos apenas sendo guiados a consumir mais para compensar a sensação de inadequação que a própria cultura do wellness cria?

É uma questão complexa, mas é importante perguntar: a quem interessa que nos sintamos incompletos e insatisfeitos? A resposta parece ser simples: a uma indústria que lucra com nossa ansiedade de sermos “melhores”. A promessa de transformação pessoal – de se tornar uma versão idealizada de nós mesmos – é o que mantém essa roda girando.

Buscando Autenticidade e Bem-Estar Real

Talvez seja hora de questionar a narrativa da indústria do wellness e buscar um bem-estar mais autêntico. Um bem-estar que não dependa de produtos milagrosos, mas que esteja alinhado com o que realmente importa para cada um de nós. Isso pode significar aceitar que a perfeição é inatingível, e que nosso valor não está em seguir regras rígidas, mas em viver de forma que faça sentido para nossa própria realidade.

O site Business of Fashion chamou essa tendência de “The Death of the Detox” – a morte do detox. Saímos de uma era em que o “detox” era a palavra de ordem, onde era preciso abandonar o açúcar, o glúten, o álcool e uma série de outros “vilões” para alcançar o bem-estar. Mas será que esses extremos realmente funcionam?

Os hábitos da “geração detox” parecem ter deixado para trás o conceito de equilíbrio, substituindo-o por uma busca incessante por pureza e perfeição. O resultado? Mais pressão, ansiedade e custos crescentes, tanto emocionais quanto financeiros.

O Equilíbrio que Precisamos

Com o surgimento da “vergonha do wellness”, a nova geração parece estar buscando algo diferente. Não é que cuidar do corpo e da mente não seja importante, mas talvez seja hora de equilibrar o autocuidado com a aceitação de que somos humanos. E humanos cometem erros, têm vícios, e, às vezes, optam por escolhas que fogem do ideal.

Afinal, o que realmente nos traz bem-estar? Um jantar com pizza e amigos, com risadas e conversas, ou uma noite solitária meditando, para acordar às cinco da manhã e correr sozinho? Será que vale a pena seguir à risca uma rotina ultrarregida, ou é possível encontrar bem-estar em momentos de descontração, mesmo que eles incluam uma dose de imperfeição?

Experimentar é a Chave

A nova tendência não é encontrar uma fórmula mágica, mas permitir-se experimentar. Nos Estados Unidos, surgiram movimentos como o “California Sober”, onde as pessoas substituem o álcool por cannabis, ou fazem microdoses de psicodélicos. Outro exemplo é o “BoySober”, uma pausa consciente de aplicativos de relacionamento. Esses movimentos mostram que bem-estar não precisa ser uma lista de regras, mas uma busca por aquilo que faz sentido para cada um.

Estamos em um momento de transição. A cultura do bem-estar, que prometia soluções simples para problemas complexos, está sendo questionada. Não somos uma coisa só, e nosso bem-estar não pode ser reduzido a uma lista de tarefas a cumprir. Talvez o segredo esteja em aceitar que a saúde verdadeira não é a ausência de falhas, mas a capacidade de encontrar prazer e equilíbrio na vida cotidiana.

Então, o que é bem-estar para você? Pode ser uma corrida matinal, um vinho à noite ou um final de semana sem pensar na dieta. O importante é lembrar que o equilíbrio não vem de regras rígidas, mas de entender o que realmente nos faz sentir bem, sem culpa e sem vergonha.

 

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