O Mal Invisível: Como os Smartphones Estão Redesenhando Nossa Experiência Humana
Vivemos em um mundo comprimido na palma da mão. Essa afirmação, inspirada na filósofa Marilena Chauí, reflete um fenômeno profundo: o smartphone, objeto indispensável na vida moderna, anula nossa relação vivida com o espaço e o tempo. Ele transforma a vastidão de paisagens, momentos e interações em uma tela de poucos centímetros. Esse fenômeno, conhecido como atopia (um mundo sem espaço) e acronia (um mundo sem tempo), não apenas redefine como nos conectamos ao mundo, mas também como nos desconectamos de nós mesmos.
Entre o Sentir e o Estar: A Supressão das Emoções
O psicólogo Gabriel Domenico oferece uma análise visceral dessa desconexão. Ele argumenta que o vício no celular não é uma obsessão por dopamina, como frequentemente ouvimos, mas por sentir algo — qualquer coisa. Essa busca constante por estímulos anula um aspecto essencial da nossa humanidade: o processamento das emoções.
As emoções são como um canal sensorial que nos conecta à realidade. Elas nos orientam, nos ajudam a interpretar o mundo e carregam informações valiosas sobre o que é importante para nós. Quando deixamos de processá-las porque estamos distraídos com a intensidade do mundo digital, perdemos algo vital. Estudos indicam que a exposição excessiva a estímulos digitais está associada a níveis mais altos de ansiedade, depressão e insônia. Um artigo da Journal of Behavioral Addictions (2021) aponta que o uso problemático de smartphones está diretamente relacionado a uma redução no bem-estar emocional e ao aumento da sensação de isolamento social.
O Mito da Dopamina e o Caos Emocional gerado pelos Smartphones
Muitos argumentam que estamos viciados em dopamina, a substância química do prazer. Mas será que é tão simples assim? A questão vai além da bioquímica. O celular não oferece felicidade, mas sim intensidade. Ele entrega notificações que geram picos de emoção e transforma momentos de silêncio — tão necessários para a introspecção — em ruídos.
Essa dinâmica não só desorganiza nossos sentimentos como também os mercantiliza. Emoções humanas, como pertencimento, alegria ou mesmo inveja, são transformadas em mercadorias. Redes sociais como Instagram e TikTok capturam nossas emoções e as vendem de volta para nós na forma de curtidas, visualizações e interações efêmeras. Nunca foi apenas sobre dopamina; é sobre um sistema projetado para nos manter emocionalmente dependentes.
O Espaço Vazio e a Necessidade de Sentir
Há buracos na nossa experiência humana que não deveriam ser preenchidos. O filósofo Byung-Chul Han explora isso em sua obra No Enxame. Para ele, a sociedade hiperconectada promove a produção contínua de informações, mas elimina a possibilidade de reflexão e silêncio. E o silêncio, segundo ele, é onde reside a verdadeira conexão com o eu interior.
Quando preenchemos esses buracos com estímulos incessantes, criamos uma distração que bloqueia o espaço necessário para sentir e processar o que realmente importa. Estamos perdendo a capacidade de lidar com nossas próprias emoções, e isso tem um custo. Como Domenico aponta, essa desconexão é um caminho certeiro para o surgimento de condições que afetam a saúde mental.
Para Onde Vamos Agora?
Se queremos resgatar nossa humanidade, precisamos reaprender a ficar com o silêncio, a suportar o vazio e a abraçar a pausa. Isso exige práticas conscientes: reduzir o tempo de tela, priorizar interações presenciais, dedicar-se a momentos de introspecção e reconectar-se ao mundo físico.
Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de usá-la com intenção. Os smartphones são ferramentas poderosas, mas precisam ocupar seu devido lugar: um complemento, e não o centro da nossa existência.
Como sociedade, podemos começar a reverter esse ciclo incentivando espaços de desconexão, promovendo a saúde mental e resgatando o valor da experiência humana em sua plenitude. Talvez o primeiro passo seja reconhecer que não estamos viciados em dopamina, mas sim no medo de sentir — e na busca incessante por evitá-lo.
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