Estudo da USP revela que 50% dos casos de demência na América Latina são evitáveis

Demência na América Latina: Um Problema Prevenível, mas que Exige Ação Urgente

A demência é uma das principais preocupações de saúde pública no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 55 milhões de pessoas vivem com demência globalmente, um número que deve triplicar até 2050 devido ao envelhecimento populacional. Contudo, um estudo recente conduzido pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e publicado na revista The Lancet Global Health revelou uma perspectiva alarmante, mas esperançosa: 54% dos casos de demência na América Latina são atribuíveis a fatores de risco modificáveis. Esse índice supera significativamente a média global de 40%.

O Estudo e Seus Achados

Sob a liderança da professora Claudia Kimie Suemoto, o estudo analisou dados de 12 fatores de risco em sete países da América Latina — Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Honduras, México e Peru. Os dados foram coletados entre 2015 e 2021, abrangendo um universo de 5.995 a 107.907 participantes com idades a partir dos 18 anos. Os fatores de risco identificados incluem:

  1. Baixa educação
  2. Perda auditiva
  3. Hipertensão
  4. Obesidade
  5. Tabagismo
  6. Depressão
  7. Isolamento social
  8. Inatividade física
  9. Diabetes
  10. Consumo excessivo de álcool
  11. Poluição do ar
  12. Lesão cerebral traumática

Os resultados reforçam a necessidade de intervenções preventivas urgentes na região. Políticas que promovam mudanças no estilo de vida, educação e acesso a tratamentos médicos poderiam reduzir significativamente o impacto dessa doença debilitante.

Por Que a América Latina É Particularmente Vulnerável?

A vulnerabilidade elevada da América Latina à demência pode ser atribuída a uma combinação de desigualdades socioeconômicas e acesso limitado a cuidados médicos preventivos. Regiões com menor acesso à educação enfrentam maior risco, dado que o baixo nível educacional está associado a uma menor reserva cognitiva — a capacidade do cérebro de resistir aos danos ao longo do tempo (Livingston et al., 2020).

Outro fator preocupante é a alta prevalência de condições como obesidade, hipertensão e diabetes, impulsionadas por dietas ricas em ultraprocessados e baixa atividade física. A poluição do ar também é uma questão crítica em regiões urbanas densamente povoadas, com estudos recentes sugerindo que exposição prolongada a poluentes pode aumentar o risco de doenças neurodegenerativas (Peters et al., 2019).

Fatores de Risco Modificáveis e Suas Implicações

Os fatores de risco modificáveis representam alvos concretos para intervenções. Entender a influência de cada um é essencial:

  • Baixa Educação: Aumentar o acesso à educação é essencial. Programas de alfabetização para adultos podem ajudar a aumentar a reserva cognitiva em populações mais velhas.
  • Perda Auditiva: Uso de aparelhos auditivos pode reduzir significativamente o risco de declínio cognitivo .
  • Isolamento Social: Manter redes sociais ativas diminui o risco de depressão e declínio cognitivo.
  • Inatividade Física: A prática regular de exercícios melhora a saúde cardiovascular e cerebral. Atividades como caminhada rápida ou ioga são acessíveis e eficazes.

Casos Reais e Modelos de Sucesso

Países como Cuba demonstraram que campanhas de saúde pública focadas em prevenção podem trazer resultados expressivos. Apesar de recursos limitados, o país investiu fortemente em educação e programas comunitários, resultando em uma prevalência menor de alguns fatores de risco relacionados à demência (WHO, 2021).

Impacto da Demência no Sistema de Saúde

O custo da demência é imenso, tanto em termos financeiros quanto humanos. Estudos estimam que o custo global da doença ultrapassa US$ 1 trilhão anualmente, considerando despesas médicas, cuidados informais e perda de produtividade (Prince et al., 2015). No Brasil, a falta de infraestrutura adequada para lidar com a demência coloca uma pressão adicional sobre famílias e cuidadores.

O Papel da Prevenção

Diante desse cenário, a prevenção surge como a estratégia mais eficaz e acessível. A promoção de um estilo de vida saudável é a base para reduzir fatores de risco modificáveis:

  • Dieta Equilibrada: Uma alimentação rica em frutas, vegetais, grãos integrais e óleo de oliva, como na dieta mediterrânea, tem mostrado reduzir o risco de declínio cognitivo (Scarmeas et al., 2006).
  • Atividade Física: A OMS recomenda pelo menos 150 minutos de atividade moderada por semana para adultos.
  • Controle de Doenças Crônicas: A gestão adequada de hipertensão, diabetes e colesterol é fundamental.
  • Redução do Estresse: Práticas como mindfulness e meditação ajudam a reduzir o risco de depressão e ansiedade.

O Futuro da Saúde Cognitiva na América Latina

A adoção de medidas preventivas na América Latina depende de uma combinação de ações governamentais, educação comunitária e iniciativas privadas. Campanhas públicas que promovam a conscientização sobre os fatores de risco e a importância da prevenção são cruciais.

Estratégias para Reduzir o Risco de Demência na América Latina

A prevenção da demência exige uma abordagem integrada, que combine esforços individuais, comunitários e governamentais. Os sistemas de saúde na América Latina devem priorizar programas que promovam educação, hábitos saudáveis e o diagnóstico precoce de condições associadas aos fatores de risco. Isso inclui:

  1. Educação e conscientização pública: campanhas para informar sobre a relação entre fatores de risco e demência podem ajudar as pessoas a fazer escolhas mais conscientes e saudáveis.
  2. Acesso a cuidados de saúde básicos: garantir que populações vulneráveis tenham acesso a exames regulares e tratamentos médicos adequados, como o controle da pressão arterial e a gestão de doenças como diabetes.
  3. Promoção de atividades físicas e sociais: a criação de espaços comunitários que incentivem o exercício e a interação social pode combater o isolamento e a inatividade física.
  4. Políticas públicas para a redução da poluição do ar: implementar medidas que melhorem a qualidade do ar nas cidades é essencial, especialmente nas regiões urbanas densamente povoadas.
  5. Prevenção e reabilitação para perda auditiva: o acesso a aparelhos auditivos e outros dispositivos auxiliares pode melhorar significativamente a qualidade de vida de pessoas idosas e reduzir o risco de demência associado.

Um Chamado à Ação

Com base nos resultados do estudo da FMUSP e no conhecimento global sobre a demência, fica claro que a América Latina enfrenta desafios únicos, mas também oportunidades significativas para mudar esse cenário. O investimento em educação, políticas públicas e intervenções preventivas pode gerar impactos positivos de longo prazo, não apenas na redução dos casos de demência, mas também na melhoria da qualidade de vida da população.

A demência é uma condição devastadora, mas grande parte dos casos pode ser prevenida com ações coordenadas e eficazes. Este é um desafio que demanda o compromisso de governos, instituições de saúde e da sociedade como um todo. O futuro depende das escolhas que fazemos hoje.

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