Espiritual, mas não religioso: por que cada vez mais pessoas buscam sentido fora das instituições

A ascensão do movimento SBNR

Nos últimos anos, um fenômeno silencioso tem ganhado força e despertado a atenção de sociólogos, psicólogos e líderes religiosos: o crescimento das pessoas que se definem como espirituais, mas não religiosas — conhecidas pela sigla em inglês SBNR (spiritual but not religious). Essa expressão descreve indivíduos que acreditam em algo além do material, cultivam práticas de conexão interior e valorizam dimensões espirituais da vida, mas que não se identificam ou não participam de religiões organizadas.

Segundo o Pew Research Center, cerca de 22% dos adultos nos Estados Unidos já se identificam dessa forma, enquanto quase 70% dizem se considerar espirituais em algum grau. Esse movimento não se limita à cultura norte-americana. Pesquisas internacionais mostram que mesmo entre pessoas que se declaram “sem religião” (nones), muitas mantêm crenças ou práticas espirituais, como meditação, contemplação da natureza ou a busca por um propósito mais profundo na vida (Pew Research Center, 2023; Gallup, 2023).

Raízes e motivações dessa mudança

A ascensão do SBNR parece ter múltiplas raízes. Parte dela está associada a um afastamento de instituições vistas como rígidas, hierárquicas ou politizadas. Em tempos de maior valorização da autonomia pessoal, cresce o desejo de construir um caminho espiritual sob medida, livre de dogmas e imposições externas. A antropóloga e teóloga Linda Mercadante, que entrevistou centenas de pessoas SBNR, identificou perfis que vão desde os dissenters, que rejeitam explicitamente a religião institucional, até os explorers, que se lançam em jornadas experimentais por diferentes tradições e práticas, buscando aquela que mais ressoe com sua vivência (Mercadante, 2014).

A espiritualidade além da religião

Outro fator que alimenta essa tendência é a mudança na forma como entendemos “espiritualidade”. Antes associada quase exclusivamente à religião, hoje ela é vista como uma dimensão da experiência humana que pode se expressar na relação com a natureza, na arte, no silêncio, na busca de autoconhecimento ou até em projetos de impacto social. Uma pesquisa do Pew em 2023 revelou que 71% dos SBNRs acreditam que elementos naturais — como montanhas, rios ou árvores — possuem energia espiritual, contra 46% entre pessoas que se consideram religiosas e espirituais. Essa visão aproxima espiritualidade de um senso de conexão ampla, que ultrapassa fronteiras institucionais.

Benefícios e críticas ao SBNR

Do ponto de vista psicológico, essa busca não é trivial. Estudos indicam que cultivar algum tipo de espiritualidade — mesmo fora de tradições formais — pode favorecer resiliência emocional, reduzir níveis de estresse e fortalecer o senso de propósito (Koenig, 2012; Time, 2025). Ao mesmo tempo, muitos SBNRs reconhecem que a ausência de uma comunidade estruturada pode trazer desafios: falta de continuidade, risco de superficialidade ou dificuldade em manter práticas regulares. Essa é uma das críticas comuns ao movimento: quando a espiritualidade se torna puramente individual, ela pode perder a profundidade que tradições milenares cultivaram e transmitir uma sensação de consumo rápido de experiências, sem raízes mais firmes.

Espiritualidade integrada ao cotidiano

Ainda assim, o SBNR representa uma mudança importante no imaginário coletivo. Em vez de seguir modelos herdados, essas pessoas buscam coerência entre crença, prática e valores pessoais. Elas tendem a integrar sua espiritualidade ao cotidiano, em pequenas ações: meditar pela manhã, caminhar na natureza, escrever reflexões, participar de círculos de conversa ou retiros de silêncio. Em muitos casos, essa vivência está profundamente ligada ao autoconhecimento — não como um fim em si mesmo, mas como um meio de viver de forma mais consciente, ética e alinhada com o que realmente importa.

Gerações mais jovens e a busca por sentido

Essa tendência também dialoga com mudanças geracionais. Entre jovens adultos, a filiação religiosa formal caiu de forma acentuada nas últimas décadas, mas o interesse por espiritualidade permanece alto. Dados do The Times mostram que 62% dos jovens de 18 a 24 anos se consideram espirituais, mesmo sem se vincularem a uma religião. Isso sugere que a questão central não é a perda de interesse pelo “espiritual”, mas a transformação da forma como ele é buscado e vivenciado.

Liberdade, riscos e responsabilidade

O movimento SBNR, portanto, é ambivalente: por um lado, expressa liberdade e criatividade espiritual; por outro, desafia a encontrar profundidade sem o suporte de estruturas tradicionais. É um campo fértil para inovação, mas que exige responsabilidade, pois a busca por sentido pode facilmente ser capturada por modismos superficiais ou práticas descontextualizadas. A chave parece estar na intencionalidade — cultivar uma espiritualidade que seja não apenas agradável, mas que também promova crescimento, compaixão e compromisso com algo maior que o próprio eu.

A principal lição

Talvez essa seja a principal lição dessa onda cultural: espiritualidade e religião não precisam ser sinônimos. A primeira pode florescer em múltiplos terrenos — do silêncio de uma montanha ao calor de uma comunidade, da leitura de um texto sagrado à contemplação de um pôr do sol. O que importa, no fim, é se esse caminho nos aproxima de quem realmente somos e do mundo que desejamos ajudar a construir.


Principais referências utilizadas

  1. Pew Research Center — “Who are ‘spiritual but not religious’ Americans?”, dezembro 2023 — estatísticas sobre SBNR e espiritualidade nos EUA. TIME+15Pew Research Center+15Pew Research Center+15

  2. Pew Research — “Spirituality Among Americans” — crenças e práticas espirituais. Pew Research Center

  3. Gallup — “In U.S., 47% Identify as Religious, 33% as Spiritual”, setembro 2023 — dados comparativos. Gallup.com

  4. Pew — “Around 4 in 10 Americans Have Become More Spiritual Over Time”, janeiro 2024 — tendência temporal. Pew Research Center

  5. Wikipédia — artigo “Spiritual but not religious” (SBNR) — definição, origens e categorias. Wikipedia+1

  6. Time — “The Connection Between Spirituality and Mental Health”, junho 2025 — benefícios para saúde mental. TIME

  7. Associated Press / Edição Axios — dados sobre espiritualidade crescente em meio à desfiliação religiosa. washingtonpost.com

  8. The Times / estudo Geração Z — jovens se consideram mais espirituais, menos ateus. The Times

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